Este artigo examina de modo sintético e estruturado os principais desafios enfrentados pelos sistemas de insolvência do Brasil e da União Europeia, com ênfase no papel da especialização judicial como vetor de eficiência, previsibilidade e preservação de valor econômico.
A análise irá demonstrar que, enquanto a União Europeia avança na harmonização legislativa e na consolidação de tribunais especializados, o Brasil permanece marcado por forte heterogeneidade estrutural, o que compromete a efetividade da Lei nº 11.101/2005 e limita a capacidade do Judiciário de responder tempestivamente à crise empresarial.
Nos mercados contemporâneos, a insolvência não é mero evento jurídico, mas fenômeno que repercute sobre a alocação de recursos, o crédito, a preservação de empregos e a estabilidade do sistema produtivo. Embora a legislação brasileira tenha evoluído substancialmente, especialmente após a reforma de 2020, persiste acentuado descompasso entre os instrumentos legais e a capacidade institucional de aplicá-los, pois a falta de varas especializadas amplia a morosidade processual, gera decisões assimétricas e produz ambiente de insegurança incompatível com a complexidade das reestruturações empresariais.
A União Europeia vem consolidando um paradigma de racionalidade procedimental, unificando diretrizes por meio da Diretiva (UE) 2019/1023 e das discussões para sua revisão em 2025, sendo que as principais tendências incluem: adoção de mecanismos preventivos de reestruturação, como pre-packs; fortalecimento de deveres dos administradores; padronização de comissões de credores; ampliação da transparência; e redução do período para exoneração do passivo.
A especialização judicial constitui eixo estruturante desse modelo, pois Tribunais e secções dedicadas ao tema operam com equipes qualificadas, práticas uniformizadas e linguagem técnica comum, favorecendo a cooperação transfronteiriça e mitigando a fricção entre jurisdições em operações internacionais.
Assim, identifica-se que o modelo europeu revela que a especialização transcende uma mera conveniência administrativa, na verdade ela é condição para eficiência econômica e segurança jurídica dos processos falimentares e de reestruturação.
No caso do Brasil, embora a Lei 11.101/2005 tenha incorporado modernos no seu bojo – recuperação extrajudicial, alienação de UPIs, prazos mais rígidos, combate a fraudes, financiamento do devedor – entende-se que a eficácia desses mecanismos é prejudicada pela ausência de uniformidade institucional.
Isto é dito pois grande parte dos processos tramita em varas cíveis comuns, conduzidas por magistrados que acumulam múltiplas competências, o que gera lapsos significativos entre atos essenciais, decisões fragmentadas, dificuldade de coordenação entre os sujeitos do processo e deterioração patrimonial durante a tramitação.
O aumento expressivo de recuperações judiciais, sobretudo de micro e pequenas empresas, agrava a sobrecarga.
A especialização induz maior observância de prazos, integração entre magistrado e administrador judicial, padronização de rotinas e continuidade procedimental. Contudo, nas varas não especializadas a tramitação lenta prejudica a preservação de ativos, reduz a taxa de recuperação de créditos e desestimula investidores, tornando o custo da crise substancialmente maior.
Em relação à especialização, apenas parte dos Estados brasileiros conta com varas estruturadas especificamente para falências e recuperações judiciais, sendo São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul como os principais.
Entretanto, em grande parte do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, os processos continuam submetidos a varas comuns, muitas vezes sem equipe técnica e sem fluxo procedimental desenvolvido, fazendo incidir uma fragmentação que, por consequência, reduz a efetividade da Lei 11.101/2005.
A inexistência de especialização amplia custos, prolonga litígios e agrava a perda de valor dos ativos ao longo do processo, sendo que a morosidade, além de reduzir o retorno dos credores, também afeta a viabilidade das empresas em crise, levando muitas delas à liquidação forçada.
Essa deterioração cria um ciclo vicioso, pois a demora processual desestimula a concessão de crédito, eleva riscos e encarece o financiamento, retroalimentando a fragilidade do ambiente empresarial e reduzindo a atratividade do país para investimentos.
A comparação com a União Europeia evidencia que a eficiência dos processos de insolvência depende menos de reformas normativas e mais de arquitetura institucional consistente, uma vez que a especialização promove celeridade, uniformização decisória, aprofundamento técnico e racionalidade econômica aos processos falimentar e recuperacional.
Para que o Brasil alcance nível compatível com as melhores práticas internacionais, impõe-se a adoção de políticas nacionais de especialização, criação de varas regionais empresariais, fortalecimento das câmaras especializadas, capacitação técnica permanente, padronização de procedimentos e investimentos em tecnologia judicial, pois somente com tais bases será possível assegurar um sistema recuperacional que opere em conformidade com a dinâmica econômica contemporânea.
