Golpe nos Aposentados: Análise Jurídica dos Descontos Indevidos em Benefícios Previdenciários. 

Entre 2019 e 2024, o INSS foi palco de um dos maiores escândalos previdenciários da história do Brasil. Mais de 4,1 milhões de aposentados e pensionistas sofreram descontos indevidos em seus benefícios, supostamente para “contribuições associativas” com sindicatos e associações — sem qualquer autorização real dos segurados. Estima-se um prejuízo superior a R$ 6,3 bilhões

Esses descontos foram operacionalizados por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados entre o INSS e entidades privadas. Na prática, esses acordos permitiram que essas entidades acessassem o sistema de pagamentos do INSS e incluíssem mensalidades na folha de pagamento dos aposentados, sem que eles tivessem solicitado ou autorizado

  1. Por que é ilegal? 

A prática fere vários princípios e normas do ordenamento jurídico brasileiro: 

  • Liberdade de associação: ninguém é obrigado a se filiar a associações ou a contribuir com elas sem vontade expressa (CF, art. 5º, incisos XVII a XX). 
  • Legalidade e moralidade administrativa: a administração pública deve agir com base na lei, de forma ética e impessoal (CF, art. 37, caput). 
  • Autonomia da vontade: contratos e vínculos só são válidos com consentimento livre e consciente (CC, art. 421). 
  • Proibição de enriquecimento sem causa: é vedado receber valores sem prestar serviços devidos (CC, art. 884). 
  • Proteção da pessoa idosa e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III e art. 230)

Além disso, houve violação de normas específicas do INSS, como a Portaria PRES/INSS nº 1.154/2019, que exige autorização expressa e documentação formal para qualquer desconto em folha. 

  1. O que diz a Justiça? 

O Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 20 da Repercussão Geral, já decidiu que contribuições só podem ser cobradas de quem é filiado. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua vez, anulou descontos em casos sem autorização escrita (REsp 1.515.895/SP). 

E mais: no Tema 1017, o STF reconheceu que o Estado é responsável por omissões na prestação de serviços previdenciários. Isso significa que o INSS e a União devem responder civilmente por prejuízos causados por falhas no sistema. 

  1. Como a fraude funcionava? 
  • Dados pessoais de aposentados eram usados sem consentimento; 
  • Associações simulavam vínculos e filiações inexistentes; 
  • Empresas privadas terceirizadas operavam os descontos sem controle; 
  • O INSS falhou em verificar autorizações ou conferir a documentação mínima exigida. 

Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), 97% dos segurados entrevistados disseram não ter autorizado os descontos. 

  1. Quanto aos servidores públicos? 

Os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) — usados por servidores de estados e municípios — também apresentam risco. Muitos funcionam com pouca fiscalização, sistemas precários e convênios com entidades pouco transparentes. 

  1. Quais são seus direitos? 

Se você sofreu descontos sem autorização, pode e deve exigir: 

  • Devolução integral dos valores (ação de repetição de indébito – CC, art. 876); 
  • Indenização por danos morais, pelo abalo à sua dignidade (CF, art. 1º, III); 
  • Cancelamento imediato do desconto irregular; 
  • Responsabilização do INSS e da União (CF, art. 37, §6º). 
  • Esses pedidos podem ser feitos: 
  • Administrativamente, pelo portal Meu INSS
  • Judicialmente, por ações individuais ou ações civis públicas, movidas por Defensoria Pública, Ministério Público ou associações de classe. 

O que precisa mudar? 

O artigo propõe medidas estruturais urgentes para evitar novas fraudes: 

  1. Nova lei federal sobre consignações facultativas, com regras claras, 
  • Autorização eletrônica com biometria e autenticação em dois fatores; 
  • Proibição de repasse a empresas terceiras; 
  • Responsabilidade solidária entre entidade e Estado. 
  1. Sistema digital nacional de controle, com: 
  • Registro eletrônico auditável de consentimento; 
  • Plataforma única com acesso do segurado e órgãos de controle; 
  • Transparência total sobre os valores repassados e reclamações. 
  1. Participação da sociedade, com: 
  • Ouvidorias eficazes; 
  • Canais de denúncia integrados a plataformas como o Consumidor.gov.br; 
  • Conselhos com representação de aposentados. 
  1. Dicas práticas: como se proteger 
  • Confira seu extrato de pagamento todo mês. 
  • Identificou um desconto que você não reconhece? Peça o cancelamento imediato. 
  • Formalize reclamação na ouvidoria do INSS e denuncie ao Procon ou MP. 
  • Guarde comprovantes e registros. Isso ajuda numa ação judicial. 
  1. Conclusão 

A violação de direitos previdenciários não pode ser normalizada. O aposentado é sujeito de direitos, não alvo de manipulação contratual

Esse caso não é apenas um escândalo administrativo — é um alerta sobre como a falta de fiscalização e o desrespeito à vontade dos segurados podem gerar danos massivos. É hora de exigir justiça, devolução dos valores e respeito à dignidade dos beneficiários do sistema. 

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