A promulgação da Lei 11.101/2005 trouxe ao ordenamento jurídico nacional a figura da Recuperação Judicial, bem diferente do instituo que veio substituir, que era o da Concordata presente no antigo Decreto-Lei n. 7.661 de 1945. Esse novo instituto, agora mais próximo da Bankruptcy Law americana, aumenta as chances de sucesso nos projetos de reestruturação de empresas, os chamados processos de turnaround.


Levaram-se muitos anos e muita adaptação jurisprudencial para adequar aquele instituto (recuperação judicial), que podemos considerar colaborativa, à realidade das terras tupiniquins, digo colaborativo, pois a concessão ou não da recuperação judicial da empresa não é mais uma opção dada ao magistrado, como era nos tempos da concordata, passando agora a ser uma escolha dos credores reunidos em concurso. Assim faz-se necessário uma assembleia de credores reunidos para discutir o Plano de Recuperação Judicial apresentado pela recuperanda, assembleia essa que pode ser substituída pela manifestação de vontade colhida por escrito.

Agora, falando especificamente sobre o tema, podemos identificar muito
claramente, no procedimento recuperacional, dois momentos em que a CND é exigida, quais sejam, no momento do pedido do deferimento do processamento da recuperação judicial, que ocorre logo após o protocolo do processo de recuperação, onde o juiz irá analisar a presença dos requisitos formais para deferir o inicio do procedimento recuperatório, e num segundo momento, que é quando já houve a aprovação do Plano de Recuperação Judicial (PRJ) da empresa recuperanda pelos credores reunidos em concurso e neste momento, ou seja, no momento da homologação desta aprovação do PRJ o juiz irá exigir a apresentação novamente da CND tributária.


Mas, superada essa básica introdução, passamos a analisar o que veio à tona
muito recentemente, que já era matéria acalentada pela jurisprudência, que trata-se da obrigatoriedade ou não da apresentação da CND para os casos de deferimento ou homologação da recuperação judicial.

Esta discussão iniciou-se pois o legislador, nos artigos 571 da Lei 11.101/2005 e 1912 do CTN determinou expressamente que a quitação ou mesmo a negociação das obrigações tributárias eram condição para o seguimento da recuperação judicial. Entretanto, algumas teses surgiram para embasar a dispensa da apresentação da CND, notadamente e num primeiro momento, a tese empregada era de que não era possível acolher tais artigos pois não existia previsibilidade legal para o parcelamento dos tributos pelas empresas que estavam em recuperação judicial. Deste modo era deferido o processamento ou mesmo a concessão da recuperação sem a apresentação da CND.
Outra tese que emplacou e é a adotada mais recentemente pelo STJ trata da
incompatibilidade entre a exigência da CND e relevância da função social da empresa. Esta tese encontra-se firmemente adotada e embasada no REsp 1.802.034 da relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze.

Entretanto, houve a promulgação da Lei 14.112/20, que alterou sobremaneira a Lei 11.101/2005, trazendo uma verdadeira reforma a Lei de Recuperações Judiciais e Falências. Neste texto de Lei foi previsto as formas de parcelamento dos débitos tributários, esta previsão consta do artigo 3º que alterando a Lei 10.522/02, institui as formas aceitas para o pagamento do passivo fiscal.

Com o advento desta alteração, houve um reposicionamento considerável da
jurisprudência para passar a exigir as CND’s para o processamento e homologação da Recuperação Judicial, este reposicionamento por óbvio contrariava os ditames do STJ como já mencionado no Resp 1.802.034, notadamente pelo fato de que tal julgado não se baliza sobre a falta de opções de parcelamento ou meios de negociação do passivo tributário, mas fala em falta de compatibilidade com os princípios primordiais da Recuperação Judicial, qual seja a preservação da função social da empresa.

Muito desse posicionamento, nas palavras do eminente jurista Daniel Carnio
Costai, são fruto do fenômeno chamado inercia jurisprudencial, onde o posicionamento das decisões dos Tribunais permanece a mesma, mesmo sobrevindo novo ordenamento legislativo.


Data máxima vênia, devemos nos ater ao fato de que o Fisco é um mau cobrador, o que acaba por inviabilizar muitos projetos recuperacionais pelo fato de que, na pratica, e com a esperança de tempos melhores, o empresário na sua grande maioria abandona o pagamento dos valores devidos ao fisco justamente pelo fato de que, possivelmente só será cobrado ao final de cinco anos. Soma-se a isto os programas de parcelamento e incentivo que acabam aparecendo de tempos em tempos, o que até motiva o empresário a retardar as obrigações tributárias, não só esperando uma melhora mercadológica, mas também uma melhor condição imposta pelo próprio fisco.


Não devemos nos esquecer que tais atitudes sempre tem uma responsabilidade, ou seja, tanto o empresário pode ficar, como em vários casos, impedido de se socorrer junto a benesse da recuperação judicial, como o fisco também pode se ver obrigado a aguardar um processo recuperacional findar para ver o começo do adimplemento de seus créditos tributários, caso o processamento e homologação da recuperação judicial se dê sem a exigência da CND.


Não é necessário lembrar que todos tem uma grande parcela de culpa e
responsabilidade, devendo, portanto, primar pelo principio de que a preservação da empresa como fonte de renda, geração de empregos e suporte a sociedade, deve impor-se, pois se até a concessão desenfreada de crédito pelo ente privado está sendo discutida a mea culpa, o que dirá do próprio Estado quando falamos de princípios norteadores de preservação da empresa e sua posterior gana em cobrar de maneira abrupta e cumulada, como frequentemente se vê.


Sendo assim, a flexibilização na obrigatoriedade da exigência da CND é medida que se impõe, pois como já demonstrado, medidas fixas e pré-concebidas, principalmente quando discutimos a cerca ou não da possibilidade da empresa em fazer uso de benefício legal, podem inviabilizar toda uma gama de direitos e interesses, prejudicial não só ao próprio Estado, mas também a uma grande parte da coletividade.

Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.
2 Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos
arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

Referências:
Costa, Daniel Carnio. Comentários à lei de recuperações de empresas e falências: Lei 11.101, de 09 de Fevereiro de 2005 / Daniel Carnio Costa, Alexandre Correa Nasser de Melo – Curitiba: Juruá, 2021.


Sacramone, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência/ Marcelo Barbosa Sacramone – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.


Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Falência e recuperação judicial / Superior Tribunal de Justiça, Secretaria de Documentação, Biblioteca Ministro Oscar Saraiva. — Brasília :Superior Tribunal de Justiça, 2019

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